O sol até tenta sorrir para ele, mas os raios que deveriam acolhê-lo apenas conseguem irritar P. Depois de passar a noite – abafada – sob a estátua de Castro Alves, a última coisa que aquele perdido queria era ser acordado pelo sol. Dormira apenas cerca de três horas, sempre acordado pelos ruídos da noite, já que não tinha o costume de dormir ao relento (isso ele percebera nos primeiros cinco minutos, deitado no chão duro e úmido).
Mas que fazer agora? Ainda não consegue se lembrar de nada antes de quase ser atropelado. Mas sente fome. Retira a carteira do bolso e descobre que ali há algum dinheiro. Desce a Ladeira da Barroquinha e toma entra num restaurante-bar-boteco obscuro daquela parte da cidade onde (evidentemente) não sabe se já esteve, mas poderia garantir que nunca antes visitara.
Parece que o dia não chega totalmente naquele ambiente sombrio e ligeiramente úmido. P. ainda tenta se questionar porque escolhera aquele lugar para comer, mas percebe que seus recursos são limitados, e que não sabe quanto tempo vai ficar ainda na rua. Decide-se: vai ser ali seu desjejum. Tudo isso demorou alguns segundos para ser processado pela abalada mente de P., enquanto a mulher de batom vermelho – último resquício de uma sensualidade perdida há séculos – o observa por detrás do balcão.
Ele se senta e aguarda.
A mulher diz, um tanto ríspida:
- Vai querer o quê?
Decide-se pelo queijo quente e café-com-leite. Pelo menos agora pode pensar sossegado, com o estômago feliz. Caminha pela Baixa dos Sapateiros e sobe em direção ao Campo da Pólvora, onde se senta para pensar. olha em volta, ainda perdido. Mudou algo em seu estômago, não em sua cabeça.
À sua volta, a mesma hemorragia humana do dia anterior, só que em outro lugar. Novamente nenhum conhecido. Novamente nenhuma lembrança.
P. resolve chorar.
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