Você já se foi.
Mas suas marcas ficaram
Em meus lábios.
Já se encontrava a meio caminho em seu passeio diário pelo céu quando viu. Ao lado da grande escavação que seria o alicerce de uma casa, uma mulher agachada. Óculos escuros (sentia sempre certo orgulho ao perceber que as pessoas precisavam se proteger de seus raios poderosos). Roupa estranhamente colorida. Aparência pensativa. A mulher não devia estar ali. Definitivamente não era o lugar daquela figura bizarra. Na verdade, nunca entendera os humanos. Já os observava desde o princípio dos tempos e não os compreendia. Mas certas coisas tinham um padrão, uma normalidade.
Para Ricardo Ishmael
De sorte que o gato
Olhava-me assim
Como se não fosse eu seu dono,
Mas ele dono de mim.
Estamos nos preparando para seguir o mesmo caminho de Chico e das duas Anas. E, nesta encruzilhada de nossas existências, aproveito para rememorar...
Lembram-se dos primeiros dias? Eu e Tatinha já nos conhecíamos. Já éramos almas gêmeas. Sentamos juntos bem na frente e fizemos cara de paisagem... Que mentira! A gente começou foi a entrevistar nossos coleguinhas! A jornalista nela e o tagarela em mim não nos deixaram ficar quietos por muito tempo. Começava uma relação que – mal sabíamos – seria maravilhosa. Cristian, nossa mãe adotiva nos recebeu muito bem. Fica aqui registrado o carinhoso agradecimento por proporcionar a melhor primeira impressão possível. Os primeiros dias foram demais – e serviram de prenúncio para os seguintes.
Bem aos pouquinhos fomos descobrindo, eu e Tatinha, que nossas almas não eram gêmeas. Eram trigêmeas. Tib juntou-se a nós para formar o trio mais parada dura que essa empresa já viu. Eu acho que eu e Tib atuamos como agentes (des)equilibradores de Tatinha. Nem sei se a gente ajuda mais ou atrapalha mais. Mas no fim dá certo.
Graças a Deus nós três formamos uma turminha coesa, mas aberta. Já pensaram nas oportunidades que perderíamos se não conhecêssemos melhor os outros? Gleice é uma mulher de peito. Divertida, debochada na medida certa e sempre se preocupando com detalhes que outros não percebem.
Píter é encantadoramente tímido. A gente teve de cutucar ele algumas vezes... Mas no fim, percebemos o quanto ele é gente boa. Obrigado por se ter aberto para nós. Não esqueceremos.
Adriana tem cara de quietinha... mas é só a cara. Esse ar de menina tímida esconde uma personalidade criativa – foi ela quem primeiro chamou Tib de Tibirabiron – além de muito afetiva. Mas que ninguém se engane: poucas vezes vi alguém tão observadora.
Soninha é outra que pensa que me engana. Corajosa e decidida, mostrou com sua linda história de amor o quanto vale a pena se arriscar para ser feliz. Acho que todos aprenderam essa lição. Linda história, linda mulher.
Nossa fólio ambulante é uma graça, não? Muito inteligente e de uma inocência fascinante é daquelas pessoas que, quando se vão, deixam muitas saudades. Cadê meu suco de cajá, Ingrid?
E eu nem vou falar dos lanchinhos de sábado. Foram momentos divinos. Lindos momentos de descontração e integração. De repente bateu uma fome!
Mas ainda não falei da pessoa que talvez seja a mais marcante nessa história toda. Nossa grávida favorita foi exatamente o guia de que necessitamos nesta jornada. Dizer que ela é observadora, carinhosa, divertida, inteligente e exigente na medida certa é levar um copo à água das fontes. Obrigado Marcinha por nos abraçar como uma mãe aos filhos. Obrigado por nos mostrar os caminhos. Sempre que sentirmos saudades, voltaremos. Ah! Obrigado Mariana, irmãzinha nossa por dividir sua mamãe conosco. Valeu gatinha.
Finalizo, não com um adeus, mas com um até amanhã. Na verdade, com um até sempre. Lembrem-se da pedra que Piter recebeu no primeiro dia. Para sempre, tá? É um pacto: nunca se esquecer.
Agora: operação! Até lá.
Cabeça gira...
Olhos procuram – o quê?
Corpo dá voltas ao redor de si.
Levanto.
Ouço os ruídos que meu corpo faz:
O joelho estala.
Coração bate.
Músculos rangem.
E o cérebro...
- O cérebro nada.
Saio.
Na rua, marasmo igual.
Grito furioso para esconder que não sei o que fazer.
O sol se põe...
E me ignora.
Lembra do ciclo da vida? Começo, meio, recomeço. Este não é o fim. Apenas o início de outra fase do ciclo. Mas como todo reinício é também uma ruptura, é natural sentir um pouco de dor. Como no nascimento. O rompimento de nossa ligação física com nossa mãe é um momento muito doloroso. Mas superamos isso: é preciso reiniciar o ciclo.
O mesmo ocorre agora. Rompemos de certa forma o cordão umbilical que nos une a nossa mãe corporativa. Dói, mas é preciso.
Muitos choraram. Nasceram. Não tiveram medo de respirar muito fundo o oxigênio estranho do ambiente totalmente novo em que subitamente penetraram. E descobriram que esse oxigênio estranho seria o sustento de sua existência a partir dali. Os mais espertos voltaram para reencontrar sua mãe. Romperam uma ligação, não todas.
Agora é a hora de vocês, um Chico e duas Anas. Completem o ciclo. Vocês vão conhecer o mundo: coragem para a luta. Ah! Voltem para contar como foi.