14 novembro 2023

O Lobo da Ínsula

Era a tarde de uma quarta-feira e eu já deveria ter chegado ao trabalho. Mas estava de pé, à beira da linha do metrô, a mais de 20 km da sala refrigerada onde deveria estar. Eu vi você pelo canto do olho quando o trem estava chegando: a barba, os braços peludos, o jeitinho de lontra. 

Não: de lobinho. 

Entrei no vagão. Você sentou na minha frente. Eu te olhei por um tempo e sorri. E, aí, aconteceu. Você sorriu de volta. O espírito de deus vagou pela superfície das águas e fez-se a luz. Eu tirei meu fone de ouvido e você disse “oi”. 

Você gosta de pão, eu soube. E cursa Ciências Sociais. E também estava atrasado. Trocamos palavras até a sua estação. Então, você me abraçou. Mas me abraçou muito. Me abraçou tão abraçado que algo de você ficou comigo. 

Na minha pele, no meu corpo, na minha cabeça. Tem você em mim até hoje. Uivando baixinho no meu sistema límbico. 

24 julho 2012

O absorvente


Tudo começa com um pedido simples. Ao menos aparentemente simples, uma vez que o conceito de simplicidade não coaduna com a ideia de comprar absorventes:


- Vai ali no supermercado pra mim? Preciso de absorventes...

O filho, ou marido, ou namorado, ou ainda, quem sabe, aquele amigo bem próximo e por isso mesmo sofrido, coitado, enche-se de coragem e vai, resoluto até a mais temida de todas as seções do supermercado. E lá, entre inocentes lenços de papel e cremes dentais estão eles.

Qualquer homem, ou qualquer mulher com um mínimo de piedade no coração, vai entender a confusão mental em que se encontra o intrépido rapaz prostrado diante daquele mundo de pacotinhos plásticos. Porque absorvente não é como barbeador, que você escolhe pela marca e, no máximo, pelo número de lâminas. Não senhor, nobre colega, o pobre-diabo está neste exato momento frente a uma profusão de opções cuja razão de existir que ele não faz ideia. Tem aquele com abas, o sem abas, o noturno, o diurno, o de fluxo intenso, o com camomila... Alguns tem vincos para direcionar o "fluxo" sabe Deus pra onde. Outros tem um gel que nem Ele imagina pra que serve...

E como se não fosse o bastante, ainda é preciso aguentar a pressão da sociedade. As mulheres ao redor, conhecedoras que são do processo impossível de comprar aquelas almofadinhas brancas, apanham as de sua preferência de olhos fechados. E o pobre está ali, humilhado, tentando entender qual relógio diz para o absorvente diurno parar de funcionar porque já está de noite.

Finalmente ele se decidiu: vai levar aquele sem abas mesmo. Porque ser tão aerodinâmico se, até onde se sabe, nenhum absorvente foi feito para voar? Nosso amigo apanha resoluto o pacotinho e se dirige ao caixa, onde seu tormento terá fim. Só que muito ao contrário.

A moça do caixa é tão simpática, dá boa tarde, pega a "mercadoria" e pensa, mas não diz: "É claro que ele precisa de ajuda..." Depois ela diz, mas não pensa nas consequências que isso acarretará:

- Tem certeza que é essa marca que ela usa? É porque essa não é muito boa...

Pronto. Toda a certeza do mundo foi pelo ralo. Cabisbaixo, ele volta ao reino dos absorventes para verificar, vermelho de emoção, que existem cerca de vinte e cinco mil marcas, cada uma com suas abas, seus níveis de fluxo (por que "fluxo"? Juro que quando ouço isso imagino uma cachoeira hemorrágica sugando toda força vital da mulher), seus agentes naturais, etc, etc.

A essa altura, nosso amigo já está se perguntando se vale a pena viver num mundo em que existem tantos tipos de absorvente. E, a menos que a Divina Providência conceda-lhe o benefício de uma ligação da mulher que aguarda tranquila a compra de "um simples absorvente", a única portadora da resposta para seu enigma existencial, o coitado ficará para sempre diante da esfinge:

- Decifra-me ou te absorvo.

13 junho 2012

Num ponto qualquer

Não, mãe. Não. Não fica triste. É, eu sei. Dia dos namorados, todo mundo comemorando. Mas a gente não tem nenhum motivo pra ficar feliz nesse dia. A vovó. Tão boazinha. A tia Ermelinda disse que foi no dia 11 que ela morreu. Que dia 12 foi só o enterro, né? Que deu aquela confiusão. É... O corpo sumiu e tudo. Pois é... Mas ela deve estar num lugar melhor...  Oi? Ah! Esperando o ônibus. Não, aqui não tem banco. Tem que esperar em pé mesmo. É, é difícil. Marquinhos? Tá bem. Mais ou menos, na verdade. É ele não tá mais trabalhando com isso, não... Não sei. A polícia queria bater nele lá na estação e tudo... É deve ser... Por causa daquelas tatuagens e tudo... Eu já disse a ele. Tem que arranjar um emprego certo. Uma coisa fixa... É, mãe.... Mas é isso mesmo. Vou desligar, tenho de ir agora. Vai, vai ver a novela. Beijo... Também tenho saudades... Thau.

18 abril 2012

Tem dias

Conheço uma moça que é toda amarelos.

Às vezes, um amarelão
De manga madura e doce escorrendo pelo queixo.

Outras, um amarelinho clarinho vibrando traquilidades
(Nesses dias, ela parece crescer em ternuras).

Mas tem dias que a moça explode em vermelhos
Que eu nem te conto.

Previsão do Tempo

Amanheci com juízo de céu azul.
Vi você avoando nele
Dando voltas e voltas
E fazendo sombra em mim.

- Que lindo!
Disse em meu juízo azulado de céu.

Mas você é todo voos
E nunca pousa.

Uma nuvem de chuva se espreguiça no meu horizonte.

07 abril 2012

Depois de um tempo inenarravelmente longo sem postar aqui, acho que vou voltar a fazer postagens regulares. Vou tentar. Ao menos uma por semana. Será que dá?